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Foto do escritorRaul Silva

RESENHA – O CHAMADO DE CHUTULHO DE H. P. LOVECRAFT

O chamado de Chutulhu é um daqueles contos de terror arrepiantes, que deixam seu cabelo em pé. Mas, mesmo que esse tipo de enredo se apegue a ideologias fantásticas e ficcionistas, ele também demonstra o poder que a literatura tem de agir como espelho da nossa realidade, pois são carregados de verossimilhanças tão próximas ao mundo real que os tornam assustadoramente precisos, principalmente em relação ao comportamento humano e a capacidade das pessoas para bem ou para o mal. É dessa forma que o universo hostil, fantasmagórico e obscuro de H. P. Lovecraft se mistura com o nosso de uma forma, ao mesmo tempo, maravilhosa e terrivelmente assustadora.


O conto começa com a morte do prof. Angell e com a ida de seu sobrinho, o narrador, até a sua casa para recolher os pertences do falecido. O professor morrera sob circunstâncias misteriosas embora seu sobrinho só comece a desconfiar quando vai examinar os pertences do morto.

Em um antigo baú ele encontra um retângulo de barro esculpido em baixo relevo. Segundo o narrador, a escultura em si não era muito clara, mas pelo pouco que ele conseguia discernir do que fora posto ali, era: “grotesca, macabra e indescritível.”. Além desse estranho objeto, ele também encontra, em meio aos outros tantos pertences, vários diários e anotações soltas com relatos de pessoas que haviam tido algum tipo de sonho, visão ou experiencias paranormais e que afirmavam ter visto a tal criatura esculpida no retângulo de argila. Afora isso, haviam recortes de jornais com manchetes e imagens de casos bizarros que vinham ocorrendo ao redor do mundo e que pareciam ter ligação a algo que o tio chamava em suas anotações de “Culto a Chutulhu”.

Segundo os diários, seu tio vinha investigando esses acontecimentos a pedido de um jovem artista chamado Wilcox, o qual havia lhe entregue a estranha escultura em baixo relevo. Esse jovem assim como as pessoas nas anotações do professor Angell também tinha visões e sonhos perturbadores com essa criatura.

De início, o narrador não acredita que tais visões sejam, de fato, reais. Mas, que o tal Wilcox é um aproveitador e que se a morte do tio não fora de causas naturais, Wilcox deveria ter contribuído de alguma forma para o ocorrido. De certa maneira, ele estava correto, mas não do modo que imaginava.

O narrador, então, continua a investigar os manuscritos do tio em busca de alguma coisa que confirmasse a sua história. Porém, a medida que lê as anotações do morto vai ficando mais intrigado e curioso com relação a tudo que ali estava escrito. Assim, acaba encontrando outro relato, desta vez de um inspetor de policia sobre uma batida policial num pântano remoto da Louisiana ao sul dos EUA.

O nome do tal inspetor era Legrasse e ele e seus homens haviam sido chamados por uma comunidade de posseiros que viviam em uma região mais afastada. De acordo com eles, pessoas estavam desaparecendo na região e estranhas batidas de tamborins, gritos sinistros e luzes macabras podiam ser vistos e ouvidos vindo de um local sombrio dos pântanos, um local que todos na região evitavam por ser considerado amaldiçoado.

O professor Angell, à época, ficou bastante interessado nesse relato, bem como o narrador, pois ocorrera muitos anos antes de o professor e Wilcox se conhecerem. Legrasse, fora movido por sua investigação e acabara indo parar numa convecção de estudiosos de teosofia, arqueologia e linguística, na tentativa de descobrir o que era e o que estava escrito em uma imagem de pedra que ele havia encontrado na cena do crime no meio do pântano no dia da batida policial, que segundo o seu relato havia acontecido em meio a um culto grotesco que se utilizava de sacrifícios humanos e das mais bizarras orgias entre homens e animais para adorar a e cultuar a tal estátua.

A imagem de pedra acabou causando grande comoção na convenção, porém nenhum dos estudiosos e especialistas ali presente fora capaz de explicar o que representava a estatua ou o que estava escrito nela. Exceto um linguista famoso, chamado Professor Webb, ele acabou reconhecendo as inscrições no ídolo como sendo as mesmas que encontrara quarenta anos antes, numa expedição que realizara a Groelândia, na qual encontrara uma vila de esquimós que também compartilhava do mesmo culto macabro e vil que Legrasse descrevera ao professor Angell.

Nosso narrador, por sua vez, acha a narrativa de Legrasse fantasiosa demais e teima ainda em enxergar tudo do ponto de vista racional. Porém, a história, os relatos e os registros do professor Angell, bem como sua estranha morte o deixam cada vez mais curioso, assim ele resolve investigar por conta própria e vai a procura de Legrasse e Wilcox. Contudo, após os encontros ele chega à conclusão de que os dois são loucos ou passaram por algum processo de lavagem cerebral ou ainda por alguma histeria coletiva, pois nenhum deles lhe pareceu mentiroso e ambos relataram a história tal e qual estava nos diários do professor.

Tudo isso começa a fazê-lo se questionar a respeito da história do professor poder de fato ser verdade, que a sua pesquisa o tinha levado a morte e que provavelmente essa mesma pesquisa fizesse o mesmo com ele, seu sobrinho.

Talvez temendo pela própria vida, ou talvez pelas pistas ficarem cada vez mais escarças fazendo com que a curiosidade do narrador esfriasse, o mesmo acaba deixando de lado a pesquisa por um longo período, até que um dia faz uma visita a um colega historiador que era curador de um museu em Nova York.

Durante a visita ele se depara com um jornal antigo, onde lê uma noticia que falava sobre um crime estranho que acontecera em alto mar na costa da Austrália. Porém, o que mais chama a sua atenção é que o ocorrido fora na mesma data de outros acontecimentos ao redor do mundo e também coincidia especificamente com os delírios de Wilcox e o período em que ele havia esculpido o baixo relevo que dera ao professor Angell.

Intrigado com todas essas coincidências o narrador resolve investigar e viaja para a Austrália. Lá ele acaba por descobri que um navio mercante fora engolido por uma tempestade exatamente naquela mesma data das visões coletivas e que de toda a tripulação restara apenas um marinheiro sobrevivente que fora encontrado em outro navio à deriva, onde apenas ele, um ídolo de pedra idêntico ao que Legrasse encontrara no EUA e um corpo haviam sido encontrados.

Após as investigações a policia não chegou a nenhuma conclusão sobre o caso e o marinheiro sobrevivente voltou para sua terra natal, a Irlanda, com toda sua família, para nunca mais voltar. Segundo a polícia o mesmo não lembrava de nada do ocorrido, contudo parecia evitar pensar nos acontecimentos e se esquivava das perguntas como que com medo da simples menção dos fatos.

O narrador resolve ir até a Irlanda para conversar com o homem, no entanto, quando consegue encontra-lo, descobre que ele havia morrido recentemente. Entretanto, o mais estranho eram as circunstâncias de sua morte, o homem era saldável e morrera de repente, sem nenhum motivo aparente, nas mesmas condições estranhas que o professor Angell também morrera.

Isso somado com todos os fatos estranhos faz com que o narrador comece de fato a acreditar no tal Culto a Chutulhu. Porém, ao se despedir da esposa do marinheiro ele descobre que o homem deixara um diário e consegue convencer a esposa a deixa-lo levar consigo para a Inglaterra. Ela não faz objeções, visto que o diário estava escrito em inglês e que ela não sabia como lê-lo direito.

O narrador aproveita sua viagem de barco de volta a Inglaterra para ler os manuscritos e descobre a terrível verdade. O marinheiro não havia esquecido do que acontecera, mas temia ser tido como louco se contasse tudo a polícia, por isso acabara escrevendo o diário. Nele contava nos mínimos detalhes o que acontecera com ele e a tripulação de seu navio e como todos sucumbiram a loucura e a escuridão quando sem querer libertaram Chutulhu de sua prisão numa ilha não mapeada na costa australiana. Por sorte ele havia conseguido escapar, mas jamais esqueceria do mal e do horror que presenciara.

Diante desse relato o narrador acaba ficando totalmente convencido de toda a história, os detalhes dados pelo homem coincidiam com as visões de todas pessoas nos diários do tio e com os relatos de Wilcox. Além disso, todos os acontecimentos pareciam se ligar de uma maneira macabra e não haviam mais dúvidas quanto a morte de seu tio ter sido encomendada, afinal ele sabia demais.

Esse pensamento acaba fazendo com que o narrador perceba que será a próxima vítima, pois agora ele, mais do que qualquer outro, também sabe demais e mesmo que, de acordo com o relato do marinheiro, Chutulhu tenha sido engolido pelas águas da tempestade e estivesse preso sob o oceano, seu culto ainda existia e acabara de confirmar seu paradeiro, assim sendo, ele era uma ponta solta que precisava ser aparada. E com essa verdade o conto se encerra, deixando ao leitor a responsabilidade de imaginar o que acontece ao narrador em seguida.

Esse é um daqueles contos que você vai ler várias vezes na vida, pelo menos se você gosta desse tipo de história ou é de alguma forma impressionável com elas, porém talvez nem todos se interessem por ele, acredito que isso dependerá do seu nível de ceticismo. No meu caso, devo admitir que faço parte dessa porcentagem de pessoas que sentem uma atração para esse tipo de conto, mesmo sendo uma pessoa bastante impressionável. Durante a leitura, sempre que percebia que estava sozinho eu parava de ler e isso aconteceu várias vezes ao longo do texto. As descrições de Lovecraft sobre os lugares e pessoas são muito precisas e cheias de detalhes, contudo o que mais me assusta é a sutileza macabra com a qual ele detalha e descreve o âmago mais obscuro dos seres humanos, demonstrando nossa capacidade assustadora para fazer coisas terríveis.

Esse conto é um dos meus favoritos desse autor, embora ele me impressione mais toda vez que o leio e me faça passar dias remoendo a leitura depois de termina-la. No entanto, é também aquele tipo de conto que vale sempre a pena reler ou relembrar, pois ele nos transmite muito mais que apenas sensações de medo e angustia, pois nos faz, de certa forma, refletir sobre o mundo e as pessoas. H. P. Lovecraft a seu modo me lembra muito de Edgar Allan Poe, no que concerne ao modo como os dois encaram o mundo a sua volta, talvez seja por isso que eu goste tanto dos dois.

Raul G. M. Silva

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