POR QUE PERNAMBUCO PAGA MAIS PELO PRATO DE CADA DIA?
- Raul Silva
- 14 de mar.
- 4 min de leitura
Atualizado: 18 de mar.
Por: Raul Silva - Jornalista para Atlas Político do Teoria Literária
Um retrato da crise alimentar sob o governo Raquel Lyra e o papel da literatura na denúncia social

Na obra Vidas Secas, Graciliano Ramos expõe a fome como tragédia cíclica no Nordeste. Quase um século depois, Pernambuco revive esse enredo, mas com um vilão moderno: políticas fiscais que aprofundam a desigualdade. Dados oficiais revelam que 23,9% dos pernambucanos enfrentam insegurança alimentar grave (Rede Penssan, 2023), enquanto os preços dos alimentos bateram recordes em 2024. Este texto desvenda como decisões do governo Raquel Lyra (PSDB) agravaram a crise e por que a literatura é ferramenta essencial para decifrar essa realidade.
O ICMS E A EQUAÇÃO DO DESESPERO
Em janeiro de 2023, o governo estadual elevou a alíquota do ICMS sobre itens da cesta básica, como arroz (de 7% para 12%), feijão (de 7% para 10%) e óleo de soja (de 12% para 15%). O ICMS, imposto estadual cobrado em cada etapa da cadeia produtiva, impacta diretamente o preço final. Resultado: Pernambuco registrou inflação alimentar de 12% em 2023 (IBGE), contra 9,5% nacionalmente.
Como o imposto estrangula o consumidor?
Exemplo 1: O quilo do arroz subiu 18% entre 2022 e 2023 (CONAB), puxado pelo ICMS e pela redução de safras.
Exemplo 2: O litro do óleo de soja custa R$ 8,90 em Recife, 23% mais caro que em Fortaleza (Procon-PE), onde o ICMS é menor.
Para economistas da UFPE, a medida ignora a regressividade tributária: “Tributar alimentos essenciais em um estado com 4 milhões de pobres (IPEA) é amplificar a exclusão”, afirma a pesquisadora Maria Fernandes.
O FIM DOS INCENTIVOS: QUANDO O ESTADO VIRA COSTA
Além de aumentar impostos, o governo Lyra extinguiu programas críticos para a agricultura familiar, responsável por 70% dos alimentos consumidos no estado (CONTAG). Entre as medidas:
Corte de subsídios para insumos (sementes, fertilizantes), que caíram 27% em 2023 (IPEA).
Fim da isenção fiscal para transporte de alimentos, elevando custos logísticos em 15% (Associação de Caminhoneiros de PE).
Desmonte do Programa Leite de Todos, que garantia acesso a produtores rurais e famílias carentes.
Impactos na produção:
A colheita de feijão de corda, base da dieta local, encolheu 15% (CONAB).
Agricultores como José Ricardo, de Vitória de Santo Antão, relatam: “Antes, o governo ajudava com diesel e silos. Agora, só nos resta vender a terra”.
COMPARAÇÃO REGIONAL: POR QUE CEARÁ E BAHIA SOFREM MENOS?
Enquanto Pernambuco optou por austeridade fiscal, estados vizinhos adotaram estratégias opostas:
Política | Pernambuco | Ceará | Bahia |
ICMS cesta básica | Até 15% | 7% | 7% |
Incentivo a produtores | Corte de R$ 84 mi | Aumento de R$ 62 mi | Programa Agro+ (R$ 120 mi) |
Preço do óleo (R$) | 8,90 | 7,20 | 7,50 |
Fonte: Procon Estaduais, 2024
A diferença reflete prioridades: Ceará e Bahia mantiveram estoques reguladores e reduziram tributos durante crises, enquanto PE seguiu o manual do ajuste fiscal.
A VOZ DOS ESPECIALISTAS: “UMA TEMPESTADE PREVISÍVEL”
Para o economista Carlos Freitas (UFPE), a crise é fruto de falta de planejamento e diálogo:“O governo ignorou alertas sobre inflação de alimentos e desmontou redes de proteção. O ICMS elevado foi a gota d’água para produtores já asfixiados por custos de transporte e falta de crédito.”
Já a socióloga Ana Lúcia Souza destaca o simbolismo político:“Assim como Jorge Amado denunciou a exploração no cacau, precisamos denunciar a tributação sobre a fome. É uma violência silenciosa.”
LITERATURA E REALIDADE: A ARTE DE (DES)VELAR A FOME
De Os Sertões a Queimada, a literatura nordestina expõe a fome como projeto de poder. Hoje, não há seca física em Pernambuco, mas uma seca de empatia política. Enquanto o governo Lyra alega “responsabilidade fiscal”, o estado ocupa o 5º lugar no ranking de insegurança alimentar (Rede Penssan).
O que dizem os números?
1,2 milhão de pernambucanos dependem de doações para comer.
48% das crianças menores de 5 anos têm dieta inadequada (UNICEF).
UM CAPÍTULO QUE PRECISA SER REESCRITO
A crise alimentar em Pernambuco não é acidente, mas consequência de escolhas. Reduzir impostos para grandes empresas (como fez o governo em 2023, com isenções de R$ 300 milhões para o setor de combustíveis) enquanto taxa o feijão é priorizar o capital em detrimento da vida.
A literatura, como espelho social, nos convida a questionar: quantos Fabianos (de Vidas Secas) precisarão fugir da fome antes que a política se humanize?
FONTES CONSULTADAS:
IBGE (Inflação e pobreza);
IPEA (Investimentos agrícolas);
CONAB (Produção de alimentos);
Procon-PE (Comparação de preços);
Rede Penssan (Insegurança alimentar);
Estudos da UFPE (Análise tributária).
PARA SABER MAIS:
Relatório “Tributação e Fome em PE” (UFPE, 2024);
Documentário Prato Vazio (Canal Saúde, 2023).
✍ A literatura não apenas descreve o mundo: ela o interroga. E Pernambuco clama por respostas.🔗 Acesse o Atlas Político para mais análises onde a cultura encontra a política.
Nota metodológica: Dados atualizados em junho/2024. Contextos externos (inflação nacional, clima) foram considerados, mas o foco é o impacto das políticas estaduais, passíveis de intervenção governamental.
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