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Foto do escritorRaul Silva

Lei do Preço Fixo para livros: solução ou obstáculo à democratização da leitura no Brasil?

Por Raul Silva - Radar Literário.


O mercado editorial brasileiro enfrenta desafios históricos que vão desde a retração de leitores até o impacto de crises econômicas e mudanças no hábito de consumo. Nesse cenário, a proposta da Lei do Preço Fixo, conhecida como Lei Cortez, surge como uma possível solução para equilibrar as forças no setor e proteger livrarias de bairro da competição desigual com gigantes do comércio eletrônico. No entanto, a proposta gera intensos debates sobre sua viabilidade e impacto no acesso à leitura em um país onde a educação precária e a baixa cultura leitora são barreiras significativas.




O que é a Lei do Preço Fixo e por que é defendida?

A Lei Cortez prevê que, no primeiro ano de lançamento, os livros sejam vendidos com um desconto máximo de 10%, medida que visa impedir grandes varejistas de oferecerem preços muito baixos. A lógica por trás dessa regulamentação, defendida por entidades como a Câmara Brasileira do Livro (CBL) e a Associação Nacional de Livrarias (ANL), é garantir a sobrevivência das pequenas livrarias, fomentar a bibliodiversidade e evitar que editoras aumentem os preços de capa para compensar descontos excessivos exigidos por grandes players.


Experiências internacionais respaldam a medida: países europeus como França e Alemanha implementaram leis semelhantes com sucesso, observando um aumento na venda de livros e uma estabilização de preços. Contudo, críticos apontam que esses mercados possuem uma cultura leitora consolidada, diferentemente do Brasil, onde apenas 16% da população adulta comprou livros em 2024, segundo dados da Nielsen.


Impacto no preço dos livros e no acesso à leitura

Os defensores da lei argumentam que ela pode, a longo prazo, reduzir os preços, ao mitigar a pressão para aumento das margens de lucro das editoras. Entretanto, o contexto brasileiro é singular: desde 2006, o preço médio dos livros caiu 36,4% em termos reais, mas as vendas não acompanharam esse movimento. Além disso, a pesquisa Retratos da Leitura revela que o preço é um fator de impacto apenas para consumidores regulares de livros, enquanto o maior entrave para a leitura no Brasil é a falta de tempo (46%) e o desinteresse pela prática (32%).


Outro ponto crítico é que a Lei Cortez limita descontos em lançamentos, categoria que perdeu relevância no mercado nacional, representando apenas 15% do faturamento das editoras em 2023. Essa tendência reflete o declínio das livrarias físicas como pontos de descoberta de novas obras, reforçando a dominância das plataformas digitais, onde o preço é fator decisivo para 60% dos consumidores.


O desincentivo à leitura e a crise estrutural da educação

A baixa taxa de leitura no Brasil é um reflexo direto da crise estrutural na educação. Dados mostram que a alfabetização funcional ainda é um desafio em diversas regiões do país, especialmente no Norte e Nordeste, onde a ausência de livrarias físicas afeta 33% e 32% da população, respectivamente. A falta de políticas públicas consistentes para promover a leitura agrava o cenário. Enquanto nações com leis de preço fixo investem fortemente na formação de leitores, no Brasil, programas como a compra governamental de livros enfrentaram cortes significativos na última década.


O preço, embora relevante, é apenas parte do problema. Há uma desconexão cultural com a leitura, resultado de uma educação que não fomenta o hábito de ler desde cedo. Incentivar bibliotecas escolares, programas de leitura comunitários e campanhas nacionais seria essencial para ampliar a base leitora, uma estratégia que a Lei Cortez, isoladamente, não contempla.


Caminhos possíveis para o mercado editorial

A Lei do Preço Fixo pode ser um passo positivo para proteger pequenos negócios e estimular a bibliodiversidade, mas seu impacto só será efetivo se acompanhado de um esforço maior em políticas públicas que incentivem a leitura e democratizem o acesso aos livros. Investimentos em educação, ampliação de bibliotecas públicas e programas de incentivo à leitura são fundamentais para que o mercado editorial brasileiro se torne sustentável.


A crise do setor livreiro não será resolvida com uma única lei, mas com uma abordagem multidimensional que considere as especificidades do Brasil. Apenas assim será possível transformar o hábito da leitura em uma prática acessível e desejável para todos os brasileiros, rompendo o ciclo de exclusão cultural que atravessa gerações. Afinal, enquanto a leitura permanecer distante da realidade da maioria, qualquer medida será apenas paliativa frente ao desafio de democratizar o conhecimento no país.

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