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Entre suásticas e estatísticas: O crescimento alarmante da apologia ao nazismo

Por: Raul Silva - Jornalista do Radar Literário


O fenômeno da ascensão da apologia ao nazismo no Brasil, evidenciado por um aumento de 242% nos últimos cinco anos, reflete um complexo conjunto de fatores sociopolíticos e culturais que demandam uma análise aprofundada. Dados da Polícia Federal e de organizações como a SaferNet indicam uma escalada preocupante no volume de ocorrências, predominantemente concentradas em estados como São Paulo, Rio Grande do Sul, Paraná e Rio de Janeiro. O crescimento desse fenômeno não ocorre de maneira isolada, mas sim inserido em um contexto global de recrudescimento de movimentos ultraconservadores, impulsionados por discursos revisionistas e pela reinterpretação da liberdade de expressão como um salvo-conduto para a propagação do ódio.



A Lei nº 7.716/89, criada para coibir manifestações que incitam o racismo e o neonazismo, enfrenta desafios imensos na contemporaneidade, especialmente no cenário digital. A multiplicação de conteúdos extremistas em plataformas como Twitter, Instagram e TikTok evidencia a ineficácia dos mecanismos de controle, exacerbada pela lógica algorítmica que privilegia o engajamento em detrimento da responsabilidade ética. Estudos da SaferNet demonstram que mais de 20 mil denúncias anuais envolvem crimes de ódio, dos quais uma parcela significativa está vinculada à difusão de símbolos e ideologias neonazistas. A fragilidade das regulações e a ambiguidade das diretrizes de moderação dessas plataformas contribuem para a consolidação desse cenário.


O crescimento exponencial das ocorrências, que saltaram de um patamar residual em 2020 para mais de 80 casos registrados formalmente em 2023, ilustra uma perigosa banalização de discursos racistas e antidemocráticos. O fenômeno apresenta variações regionais relevantes, com grandes centros urbanos despontando como epicentros da radicalização, exigindo políticas públicas que sejam tanto nacionais quanto localmente calibradas. Além disso, investigações apontam para a existência de redes organizadas que promovem encontros clandestinos e disseminam propaganda extremista em ambientes digitais subterrâneos, como fóruns na deep web e grupos de mensagens criptografadas.


A vulnerabilidade da juventude nesse processo é um dos aspectos mais alarmantes. Estudos indicam que jovens, em busca de pertencimento e identidade, são alvos preferenciais de grupos neonazistas que operam por meio de estratégias sofisticadas de recrutamento digital. Esses espaços promovem uma construção narrativa que mescla revisionismo histórico, teorias conspiratórias e um discurso de exclusividade, prometendo aos adeptos uma posição de distinção dentro de uma suposta elite racial e ideológica. O acesso precoce a essas comunidades, muitas vezes facilitado pela negligência institucional na educação digital, acelera processos de radicalização e dificulta intervenções preventivas.


No âmbito político, a ascensão de discursos extremistas reflete uma deterioração do debate público. Pesquisas da Fundação Getulio Vargas (FGV) indicam que, em anos eleitorais, há um aumento na circulação de simbologia nazista e discursos de ódio nas redes sociais, muitas vezes instrumentalizados por candidatos e grupos políticos que buscam deslegitimar adversários e amplificar divisões sociais. Essa instrumentalização revela a insuficiência da regulação digital e a necessidade de mecanismos mais eficazes de responsabilização de agentes públicos que, de forma deliberada ou negligente, fomentam discursos que relativizam ou normalizam manifestações neonazistas.


O enfrentamento dessa tendência requer um esforço multidimensional, que perpassa desde o fortalecimento das políticas de regulação digital até a implementação de estratégias educativas robustas, focadas no letramento crítico e na cidadania digital. A desconstrução do discurso neonazista deve ser conduzida por meio de uma abordagem interdisciplinar, que envolva historiadores, sociólogos, educadores e especialistas em segurança digital. Além disso, a cooperação entre organismos governamentais, instituições acadêmicas e sociedade civil se torna imprescindível para a criação de programas eficazes de monitoramento e intervenção.


O Brasil, ao longo de sua história, consolidou-se como uma nação plural e marcada por uma rica diversidade cultural. Entretanto, a crescente presença do neonazismo e a normalização do discurso de ódio representam um desafio crítico para a manutenção dos princípios democráticos. O combate a essa ameaça exige não apenas a repressão jurídica e o endurecimento das penalidades legais, mas também um compromisso coletivo com a educação para a cidadania, a preservação da memória histórica e a valorização da diversidade como fundamento de uma sociedade justa e equitativa.


A escalada da apologia ao nazismo no Brasil não pode ser subestimada. Cada ocorrência registrada deve ser compreendida não apenas como um evento isolado, mas como parte de uma conjuntura que, se não contida, pode corroer as bases democráticas do país. A sociedade brasileira precisa transformar cada dado alarmante em um chamado à ação, convertendo o enfrentamento ao extremismo em uma prioridade nacional, sustentada por políticas públicas eficazes, regulação digital responsável e um compromisso inegociável com os valores humanistas e democráticos.


Fontes:



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