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Foto do escritorRaul Silva

CRÍTICA – O LAR DA SRTA. PEREGRINE PARA CRIANÇAS PECULIARES – LIVRO E FILME

”Sono não é, morte não é;Quem parecer morrer, vive.A casa em que nasceste,Os amigos de tua primavera.Ancião e donzela,O trabalho diário e sua recompensa,Tudo desvanece,Refugia-se nas fábulas,Não podem receber amarras. – Ralph Waldo Emerson.”

E assim começa O Lar das Crianças Peculiares da Srta. Peregrine de Ransom Riggs. E devo admitir que num primeiro momento o que mais chama atenção neste livro são as suas fotos que ilustram cada pedacinho da narrativa. Fotos essas que são reais, escolhidas a dedo pelo autor e cedidas a ele por vários colecionadores de imagens peculiares.


Foram elas que me chamaram atenção e me fizeram ler este livro. Assim sendo escrevo aqui a minha crítica. Antes de prosseguir quero que saibam que também vi a adaptação cinematográfica, mas me recusei a vê-la até ter terminado de ler o livro até a última página, pois não queria que a mesma influenciasse a minha leitura, algo que recomendo que todos façam sempre que for possível.

SOBRE O LIVRO

O livro e sua história são maravilhosos. Diferencio aqui um do outro, pois o livro, em sua estrutura física propriamente dita, foi muito bem produzido, com as fotos que serviram de inspiração para essas personagens incríveis aparecendo aqui e ali, exatamente nas horas certas, ilustrando para nós o universo que Riggs visualizou ao contar a sua história. À primeira vista quando o vi acreditei piamente que era um livro de contos de terror ou suspense à lá H. P. Lovecraft ou Edgar Alla Poe e me surpreendi bastante ao descobrir que era uma história de ficção fantástica.

O enredo em si também é maravilhoso, contando a história de Jacob Portman que idolatra o avô Abe desde pequeno, os dois são muito ligados embora a família ache que Abe seja um velho senil, que conta histórias malucas por estar doente e com demência, devido a sua vida difícil por ter de fugir da Polônia na época da Segunda Guerra Mundial, tendo de viver num orfanato, para depois acabar lutando nessa mesma guerra, vendo e vivendo seus horrores. Mas a verdade sobre esse senhor é muito mais chocante e incrível do que qualquer um deles pode entender e vai muito além desses simples fatos.

Não entrarei aqui em muitos detalhes para não dar spoilers ao leitor que não conhece a obras, mas digo a você que se nunca a leu já deveria ter lido. No entanto, se você prefere não saber de nada sobre a história antes de lê-la sugiro que pare por aqui.

Para resumir, Jacob é um garoto que vive na Flórida com seus pais que são donos de uma grande rede de farmácias no estado, nesse caso a mãe de Jacob herdou essa rede dos pais dela, o pai dele é escritor, ou pelo menos aspirante a escritor, e vive a sombra da esposa (é isso que a história dá a entender, ou essa é a forma como ele se enxerga em relação a ela).

A relação deles como família não é das melhores, pois Jacob é muito apegado ao avô, mas seus pais o acham um velho paranoico que fica contando histórias para o garoto e enchendo a cabeça dele com bobagens mirabolantes. Além disso a relação ente Franklin (pai de Jacob) e seu pai Abe, não é das melhores por vários motivos que não contarei aqui. De certa maneira, algumas vezes a impressão que fica é a de que Franklin tem um certo ciúme da relação de Jacob com Abe, mas isso não é dito em parte alguma da história, é apenas a minha impressão dos fatos, já que o narrador da história é o próprio Jacob e tudo o que sabemos nos é dito do ponto de vista dele.

A vida desse garoto sempre foi complicada, devido ao fato de acreditar em tudo o que o avô lhe contava ele passou por várias situações desde ser ridicularizado na escola até viver com pesadelos com os monstros terríveis das histórias de Abe, tudo isso culminou em um longo tratamento psiquiátrico que o diagnosticou com várias síndromes. Porém tudo começa a desandar e piorar quando, em circunstancias muito misteriosas e assustadoras, o avô dele morre, principalmente pelo fato de ser Jacob que o encontra, já prestes a morrer, numa situação que só posso descrever aqui como perturbadora.

Em seu leito de morte Abe diz uma porção de palavras sem nexo a Jacob, que só vai entender o que o avô quisera dizer algum tempo depois quando ele ganha um livro de Ralph Waldo Emerson de presente de aniversário, na verdade um presente póstumo do seu avô, dado pela sua tia Susie. Assim ele descobre onde ficava o orfanato em que o avô crescera e resolve ir lá para conversar com a diretora do lugar, uma tal de Alma Peregrine, que ainda podia estar viva, na tentativa de descobrir mais sobre seu avô e colocar um ponto final na história deles, já que, segundo seu psiquiatra, ele está tendo uma reação aguda de estresse devido a morte repentina do avô.

Assim, depois de muito insistir e com ajuda do psiquiatra Dr. Golan, que achava uma boa ideia ir até lá, ele e seu pai viajam para uma ilha chamada de Cairnholm, porém ao chegar lá nada é o do jeito que ele imaginou que fosse, a casa do orfanato foi totalmente destruída durante um bombardeio na época da Guerra e as pessoas do povoado lhe informam que todos os que moravam lá haviam morrido. Sem saber o que mais poderia fazer ele resolve explorar o local na tentativa de encontrar algo que o ajude a achar respostas. Por dias ele retorna a casa em ruínas até que num desses passeios ele encontra as tais crianças dos retratos que o avô dele tinha, das fotos que ele sempre mostrava quando contava as histórias dos monstros.

Num primeiro momento elas fogem dele, mas Jacob resolve segui-las até uma antiga caverna, no entanto, quando ele entra lá, algo inesperado acontece, ele acaba indo parar em 1943 e descobre que todos no orfanato havia sobrevivido graças aos poderes da Srta. Peregrine. Ele finalmente encontra a diretora e ela explica que tudo o que o avô lhe contou era verdade, fala sobre as reais circunstancias de sua morte e conta sobre a existência de uma espécie de humanos diferente conhecida apenas como peculiares e que sua função era proteger essas pessoas, no caso as crianças que ali viviam.

Claro que existe muito mais coisas por trás de Alma Peregrine e do Lar das Crianças peculiares, mas se você estiver interessado em saber terá que ler o livro. A partir daí a história começa a se desenrolar de maneira mais rápida e dinâmica e o final é o mais surpreendente possível, cheio de revelações e descobertas, pois nada neste livro é o que parece ser.

SOBRE A LEITURA DO LIVRO

No começo da leitura achei o livro lento e até certo ponto tedioso, gosto de histórias que seja eletrizante do início ao fim, mas aqui o começo é um tanto que parado. O ponto alto é a morte de Abe e só. Depois a história recua e só vamos ter novas surpresas quando Jacob se encontra com os peculiares Cairnholm, porém no final percebemos que tinha que ser assim e você entende que tudo foi construído para estabelecer as relações entre as personagens.

Algumas coisas nessa história me chamaram a atenção mais que outras, por exemplo, as descrições do narrador, são muito bem-feitas, os lugares, as crianças e seus dons, mas acima de tudo, as situações sombrias e os monstros são de deixar você assombrado, muitas vezes parei de ler para digerir uma cena ou mesmo algumas das falas e atitudes das personagens e, diga-se de passagem, que algumas dessas crianças peculiares me deram arrepios.

Outra coisa que afetou bastante a minha leitura foi o fato de levar muito tempo para que eu me apegasse a algum personagem, todos são ótimos, mas nenhum conseguiu me conquistar por muito tempo, isso só veio acontecer nas ultimas cem páginas quando me apaixonei por Bronwyn, ela sem dúvida é a melhor, extremamente forte, leal e uma amiga para qualquer ocasião. Outro de quem eu gostei muito foi Enoch, devo dizer que no início eu o odiei com todas as minhas forças, entretanto no final você percebe que ele é o cara da razão, que sempre diz o que pensa e não importa o que os outros acham e que isso de certa forma ajuda-os no desenrolar dos acontecimentos finais.

Um outro ponto que achei complicado de aceitar é que algumas das soluções dadas pelo autor as vezes são muito inverossímeis, ora se as crianças têm poderes e estão em perigo, porque não usar esses poderes de maneira mais dinâmica e eloquente na hora de se defender, muitas vezes elas ficam em situações em que você pensa poxa vida, é sério?! Contudo, após parar para digerir o livro você entende que elas passaram a vida toda escondidas, com medo do mundo, dos seus dons, dos monstros, enfim, elas nunca usaram os poderes numa batalha, nem mesmo para se defender e não estamos falando de X-men, embora algumas coisas na história nos façam crer que Riggs se inspirou bastante nos quadrinhos da Marvel.

Além disso com o passar das páginas você vai percebendo vários temas transversais da trama, o livro fala muito da questão da diferença, de como as pessoas temem o que é diferente e como reagimos diante disso, trata em vários momentos da nossa condição humana, do medo de envelhecer, da desvalorização dos idosos em nossa sociedade, a relação cada vez mais distante das famílias. Em certos pontos do livro eu tenho muita raiva do pai do Jacob, ele é um cara que não tem mais ânimo para nada, que desacredita de tudo, um verdadeiro cético com quem o filho mal pode contar. O livro também nos faz refletir sobre a existência, sobre o medo de viver e de enfrentar as adversidades e perigos da vida. Vemos isso em Franklin quando ao menor sinal de dificuldade ele desiste de seus planos para o livro sobre pássaros e vemos isso em Jacob que desacredita o tempo inteiro de si mesmo e de suas capacidades.

No final, a história se encerra com uma reflexão sobre os acontecimentos marcantes da vida. Aqueles que dividem a nossa história em Antes e Depois e acredito que essa seja a maior mensagem do texto, claro que ele fala muito de amizade, coragem, lealdade (afinal a história gira em torno de crianças), mas essa reflexão nos faz perceber que apesar de tudo, das dificuldades, das raivas e tristezas, nada dura para sempre, isso vale também para os bons momentos, Emma e Abe que o digam (para entender essa comparação leia o livro), tudo vai passar e as coisas vão normalizar, para depois vir outra tempestade. Afinal é isso que faz a vida valer a pena. Assim posso dizer que este é um daqueles livros recomendadíssimos que merecem ser lidos pelo menos uma vez na vida.

SOBRE O FILME

Aqui tenho, que fazer algumas ressalvas. Eu sei que uma adaptação não pode abarcar todos os detalhes de um livro, essa foi uma das razões pelas quais eu optei em ler o livro antes, mas devo deixar claro logo de cara que não me agradei muito do filme.

Sim, Tim Burton foi genial como sempre (incrível foi não ver Johnny Depp como o vilão), podemos ver sua marca registrada em tudo nesse filme, desde a fotografia até a trilha sonora. As atuações em sua maioria foram muito boas, o elenco escolhido foi muito bom, Eva Green e Asa Buterfield foram ótimos. A fotografia, os efeitos, a trilha sonora, o enredo também foram impecáveis, mas houveram exageros e, claro, mudanças desnecessárias.

Achei que algumas de suas adaptações foram ótimas, como uma troca de poderes, nomes e características entre personagens, pois sim, para você que só viu o filme, algumas personagens são os seus opostos no livro, ou ainda o dinamismo dado aos peculiares e seus dons algo que como disse anteriormente senti falta no livro.

Porém, fica claro que alguns pontos ficaram meio exagerados e desfigurados. No livro por exemplo, Emma é uma personagem muito mais interessante, pois ela é valente, com suas próprias ideias e convicções, ela não se deixa manipular ou controlar, é uma verdadeira força da natureza e no filme virou a mocinha que depende do heroi, que obedece a tudo e todos. O Enoch do livro parece ser um chato de galochas num primeiro momento, mas depois se prova valoroso, no filme ele é apenas um chato de galochas, para não dizer insuportável, e a atuação de Finlay MacMillan, numa cena, ali no finalzinho, deixa muito a desejar.

Os vilões também mudaram muito, Samuel l. Jackson, é claro, foi impecável no filme, mas no livro eles dão arrepios, são assustadores, espertos e conseguem ser mais verossímeis, no filme eles são retratados como bobões e não são nenhum pouco assustadores, na verdade viraram alívio cômico. Eu sei que estamos falando de um filme para crianças, mas poderíamos ter visto no filme personagens menos clichês de filme infantil, pois na história elas são tudo menos isso.

Outro ponto foi o fato de mudarem completamente o final da história, incluindo aí a mudança total do gancho narrativo para a sua sequência, como sempre focando nos efeitos visuais 3D. Ok, ok, ok é cinema, é outro veículo de propagação, mas ainda assim algumas coisas poderiam ter permanecido. Claro que essas mudanças permitiram coisas boas, mas retiraram o foco de outras coisas, por exemplo as relações familiares de pai e filho que citei anteriormente.

Enfim, o filme é ótimo, com uma produção e direção impecáveis, mas ainda considero o livro superior em muitos aspectos, por isso recomendo que quem viu apenas o filme leia o livro, pois nele você irá encontrar um universo de possibilidades muito maior que o filme foi capaz de alcançar.

Raul G. M. Silva

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